Sabíamos que queríamos falar de conforto e desconforto, queríamos meditar, lançar sobre Odemira uma voz e um corpo feitos de uma multidão mestiça. Queríamos chegar a um lugar onde se é bem-vindo e onde quem somos é um contributo para tudo o que acontece. A meditação é uma prática comum em muitos países do Oriente. Foi por aí que começámos. Trabalhámos durante dois meses e meio com afinco. Em todos os ensaios aquecíamos o corpo e a voz e de seguida atirávamo-nos aos assuntos que queríamos tocar: Uns iam inventar pequenas histórias para se transformarem em sonhos performativos. Outros começavam a ensinar as suas danças preferidas dos países de origem. Essas danças começavam a desconstruir-se, quer coreograficamente quer dramaturgicamente, para serem reconfiguradas à luz de um cruzamento subliminar e subtil. Uns iam criar solos sobre o papel, outros sobre as regras, outros ainda sobre o prazer de dançar, como em Bollywood. Outros ficavam a experimentar fazer e dobrar chamuças gigantes com tapetes, no chão. Muitos momentos de ensaio foram feitos da partilha entre os performers e os participantes, ensinando-lhes, por exemplo, a linguagem do toque físico, a transposição do peso do corpo para accionar movimento em duetos. Muitas horas foram dedicadas à construção de traçados de movimento que se inventavam e criavam primeiro e que depois eram passados a todo o grupo para serem aperfeiçoados de forma eficaz em cada corpo. Outros ensaios eram os elementos do elenco asiático que tomavam esse papel de ensinar e passar as suas danças aos performers ocidentais. Esses foram momentos fantásticos de partilha e de inversão de papéis. Os ensaios eram estaleiros de construção de cenas, que tinham também sempre momentos de escrita, leitura, selecção de imagens que pudessem alimentar o que estava a ser criado. A música ia-se compondo em fases de improvisação e muita repetição dos melhores momentos musicais para os melhores momentos coreográficos. Uma vez feita essa escolha, entrávamos no campo da reescrita mais detalhada e fixação de material para ser repetido e apropriado por cada um. O espectáculo seria um caleidoscópio de atmosferas e de composições que se iam mudando de um espaço da vila para outro, e por isso os ensaios nunca foram um só, mas múltiplas experiências dentro de um ensaio maior. No início ensaiámos na aldeia do Brejão com o núcleo de performers, que em certos dias da semana se encontrava com o grande grupo para pôr à experiência as ideias performativas encontradas e com pedidos específicos de ajuda sobre as culturas de cada participante. Tudo estava sempre em mudança e formação. Divertimo-nos sempre.
Fotografias de: Catarina Barata