Entre Janeiro e Junho de 2021 o nosso trabalho com os adultos foi interrompido pela pandemia Covid-19, ficando adiadas as sessões para quando houvesse maior liberdade de circulação. Os primeiros laboratórios tiveram lugar numa empresa de agricultura intensiva, onde os trabalhadores passavam meses em estufas de frutos vermelhos quase sem sair. Os participantes, apenas homens, chegavam cansados no final dos seus dias intensos e mesmo assim estabeleciam uma forte ligação com a música e com a dança, exibindo os seus movimentos de bhangra ao som dos ritmos do Júnior no djambé. As sessões aconteciam no campo de futebol ou em lugares de passagem. A Madalena inventava coreografias em tempo real e a Inês juntava-se ao grupo a aprender as suas danças. No entanto, devido ao isolamento geográfico da estufa e aos dias cansativos destes homens, não conseguimos que se juntassem ao espectáculo nem que viessem às sessões regularmente, adaptando a nossa abordagem daí em diante. Passámos a oferecer sessões nos centros das vilas: Na Junta de Freguesia de São Teotónio, no Cineteatro Camacho Costa e no Mercado de Odemira. Aí os participantes chegavam em grande número. A palavra espalhou-se entre a comunidade migrante. No segundo ano vieram já algumas mulheres, alguns portugueses. Vivia-se um ambiente festivo. No início, sentíamos alguma dificuldade em encontrar a forma de comunicar com o grupo, mas alguns meses depois tínhamos encontrado a naturalidade necessária para a criação de verdadeiras relações. “Estamos em círculo, frente a frente, painéis de palavras novas na parede. Margarida chama, empurra o ar e o grupo recua. Abre espaço para que o ocupem, é isso DAR e RECEBER, LENA, DENA. Os homens falam, mastigam o português, querem aprender. Jagroop não entrou, Jagjeet foi atrás do amigo, puxado pela dúvida alheia. Farouk faz lives para o Tiktok e aponta as palavras novas. Kahleel ouve pouco e repete infinitamente os sons portugueses que soltam as nossas bocas. Os outros concentram-se: a energia é densa, cheia de vontade, muita vida. (sessão em 2022)” Durante estas sessões dançámos muito, escrevemos, desenhámos, cantámos, jogámos jogos teatrais e a inspiração surgia dos trabalhos, das casas, famílias e culturas dos participantes. A partir do segundo ano o foco dos laboratórios foi procurar um espaço de encontro entre culturas e abrir terreno para a aprendizagem da língua portuguesa. Oferecemos cadernos para que os tomassem notas das palavras novas que ouviam. Alguns já falavam a língua, outros nunca antes a tinham saboreado. Tivemos visitas de artistas do movimento, da música, da voz, do teatro, que abraçaram estes adultos e com eles partilharam o seu universo: “Chegou a Margarida Mestre. Tem gestos angulares e olhar felino. As posições do corpo poderiam ser estátuas sem tempo definido, como se exemplificasse ao ar todas as direcções. Traz Bangladeshis na carrinha, como a Madalena, como a Inês, como eu. Encontramo-nos no largo de São Teotónio e um pelotão de Bangladeshis sai dos nossos carros e entra pela Junta de Freguesia. Entramos também. O Pedro Salvador preparou a sala. (sessão em 2022)” Como resultado desta aproximação aos homens e mulheres no segundo ano, o espectáculo final teve, ao contrário do anterior, uma grande participação da população adulta (bem como jovem), e uma intimidade e crescente aprofundamento do trabalho e das relações que criámos.