A palavra "conforto" esteve muito presente na criação do espectáculo BOWING BACK. É comum ouvir-se a expressão "sair da zona de conforto", especialmente em relação a projectos de natureza artística. Aqui, decidimos entrar na zona de conforto e criar esse espaço físico para proporcionar aos participantes e ao público um lugar para aterrar e ficar lado a lado, agradavelmente, entre culturas e povos diferentes. A Zona de Conforto situava-se num parque de estacionamento em Odemira e era composta por diferentes "salas" ao ar livre: a sala da música, onde o Pedro, o Shoaib e o Lian tocavam e cantavam; a sala da henna, onde Amanpreet pintava com henna o braço da Chiara, que contava uma história ao mesmo tempo; a sala das salas, onde um grupo de meninas falava do conforto das suas casas na Europa e na Ásia; a sala do rap, onde um trio de jovens cantores explicava as motivações políticas e sociais das suas letras de rap; um bar com chamuças e momos confeccionados por restaurantes locais e uma biblioteca coordenada pelo jovem António, composta por mesas de cabeceira e livros que inspiraram a criação do espectáculo. O público era convidado a instalar-se e usufruir do espaço, comer, sentar-se, ouvir histórias, música, vaguear. Havia tapetes pelo chão, cadeiras, mesas convertidas em tendas que formavam o bar. Dentro do centro de estudantes abandonado (O Novo SEF), encontrámos as mesas de cabeceira bem como antigas carteiras de estudantes, do tempo do Estado Novo, que foram dispostas num pequeno anfiteatro para a pintura da henna. Mas tudo começava com a dança do conforto: enquanto o público chegava ao local, o elenco estava distribuído pelos diferentes tapetes, a repetir passos de dança simples e alegres e a convidar as pessoas a integrar a multidão que dançava. Em momentos da sequência abria-se um corredor por onde o público passava, a que chamámos a Avenida do Conforto. Construir a Zona de Conforto foi como erguer o interior de uma casa a céu aberto. Durante os ensaios, grupos de homens do Punjab sentavam-se à volta do espaço, e o parque de estacionamento transformava-se num lugar acolhedor. Fazíamos reuniões de equipa, almoçávamos no chão, sobre os tapetes. O conforto que gerava abria espaço, por vezes, a temas delicados e difíceis. Houve reacções múltiplas e contrastantes: a curiosidade, a repulsa, a adesão total. Umas pessoas do público, entravam no corredor humano e deixavam-se levar, outras circundavam o espaço e observavam atentamente, outras ainda recuavam e algumas saíram do espaço, recusando o nosso convite. Existe um enorme caminho para percorrer.
Fotografias de: João Mariano - 1000 Olhos