O Daniel é um rapaz chinês de 14 anos, que vive e estuda em São Teotónio. Participou no BOWING ao longo dos dois anos e entrou em ambos os espetáculos, durante os quais ensinou mandarim ao público, dançou e contou a história da deusa chinesa Nu Wa. Passou tempo entre o seu mundo e o nosso e a Matilde foi a sua grande companheira de criação, professora e amiga. O Daniel não fala inglês e percebe pouco português. Nas aulas e ensaios comunicávamos com a ajuda do tradutor da Google. Até aos 9 anos Daniel vivia na China com os avós, e aí veio para Portugal, onde conheceu os pais. Nesta conversa que tivemos com ele fomos ajudadas pela Aolan (Sara Meng), uma mulher da Mongólia que vive em Marmelete e consegue comunicar em mandarim com o Daniel, traduzindo para nós em inglês.
"Vim para Portugal em Março de 2019, já lá vão quase 4 anos. Passei a maior parte da minha vida com os meus avós por isso tenho muito afecto por eles. Falo com eles frequentemente. Naquele tempo viviam numa casa velha mas agora essa casa está a ser destruída e vão mudar-se para uma nova. Quero visitar a casa antes de se mudarem por isso vou à China este Verão pela primeira vez desde que vim para cá. Perguntaste sobre os nomes dos meus avós... mas na China não é educado perguntar pelos seus nomes porque são mais velhos. Não perguntamos isso, não é educado. Os meus avós tinham um terreno onde faziam cultura de vegetais e insectos, eu costumava ir para o campo com eles e cultivava também. O meu avô tinha duas árvores de fruto: uma laranjeira e uma amoreira. Lembro-me de ver a amoreira verde primeiro, depois vermelha, e depois vermelha-escura. Lembro-me disso muito bem."
O Daniel não tem irmãos. Gosta de Ópera de Pequim e maquilhagem tradicional chinesa e conta-nos que tem desenvolvido um interesse na área do Direito, mais concretamente nos Direitos das Mulheres. Numa sessão perguntámos a Daniel quais eram os seus medos.
"Se tiveres um par de sapatos, não sapatos normais, mas os pontiagudos chineses, que são lindos, se os sapatos estiverem apontados para a tua cama, vais ter azar. Tenho medo disso."
Nos ensaios, Daniel costumava ficar separado do resto do grupo, a dançar sozinho e a soltar leves murmúrios, no seu mundo. Foi ganhando confiança e ensinou uma frase ao público em mandarim, para que todos repetissem: “A China é um grande segredo”.
"A maior diferença que notei quando entrei no BOWING foi que, na China, os estudantes só se interessam em estudar e aprender as matérias escolares, mas aqui percebi que os professores também podem brincar e fazer actividades diferentes com os alunos. Isso foi interessante para mim. Nunca pensei em envolver-me num projecto assim, foi uma grande surpresa. Fazer parte do BOWING ajudou a minha vida a ser mais colorida. Em vez de andar por aí sozinho, podia passar mais tempo com pessoas e amigos."
No espectáculo BOWING BACK, Daniel tinha o seu próprio quarto dentro do SEF onde, com a sua amiga Arshpreet a explicar o que iria acontecer, ele dançava com um leque vermelho, fazendo movimentos subtis e misteriosos que contavam a história da deusa Nu Wa, que nasceu da lama e criou a nação chinesa.
"Quando estou em palco sinto-me calmo. No entanto, o fim dos espectáculos era frustrante porque queria comunicar com as pessoas, com o público, mas não podia. Às vezes quero muito exprimir-me e não consigo. O BOWING ajudou-me a fazer isso de forma diferente."
Fotografias de: Pavel Tavares