Clara Queiroz LopesVoltar

Clara Queiroz Lopes

Clara é arquitecta, especializada em trabalhos de reabilitação, e foi convidada para conduzir o Summer BOWING de 2022, ao longo de três dias. Este é o seu testemunho da experiência.

"A primeira manhã foi na escola, numa grande sala, à roda da mesa central. Com seixos da praia, macios e redondos, atados uns aos outros por mil voltas de cordel de sisal, uns fizeram colares, outros pulseiras, adornos totémicos do grupo construtor da cidade na praia. Depois partimos para o desenho e cada um representou em planta a casa dos seus sonhos, fosse ela uma casa deixada longe, no país da infância, fosse a casa onde viviam no momento, ou a casa puramente sonhada, uma habitação do futuro, cheia de exóticos confortos e imponentes escadarias. No final desta manhã, foi composto um mosaico com todos os projectos e formou-se o mapa de uma aldeia onírica. Nas manhãs seguintes o povo da praia partiu alegre, em fila indiana, pelo trilho que acompanha o ribeiro que desagua no areal da Praia da Amália. No túnel de vegetação, encontrámos o maciço de altos bambus, que foram cortados a serrote e transportados pelo grupo para o último recanto da praia. Ali montámos o abrigo, sob o qual nos viríamos a reunir e proteger dos golpes do sol. Os bambus foram enterrados na areia numa dança espiralada e atados por uma teia aérea de cordas onde se suspenderam panos e saris. Estava montada a base, a grande tenda. Porém, um elemento poderoso fora esquecido: o vento. Era apenas uma brisa marinha, mas os panos e saris viraram velas de barco no centro de uma tempestade. No areal dispôs-se todo o equipamento de estrutura, cofragem e adorno, que trouxeramos para compor a cidade de areia: paus, pedras, flores e ramos apanhados no caminho. Uma parafernália de recipientes de plástico, alumínio e instrumentos variados de apoio à construção : pás, garfos e colheres foram dispostos no estaleiro, perto da beira mar, onde a areia tinha a consistência ideal. Numa azáfama, a cidade foi surgindo junto de um afloramento rochoso que ganhou escala de grande cordilheira. Pelo meio, nos momentos de pausa da intensa empreitada, a alegria dos banhos de mar, a irresistível brincadeira com as ondas. No final da tarde, largas avenidas acolhiam escolas, hospital, imponentes centros comerciais…Havia praças ligadas por áleas, bairros cercados por muralhas, torres e túneis a atravessar montanhas. Estava pronta a cidade complexa, que daí a poucas horas, havia de ser para sempre guardada pelas ondas no segredo do mar e das nossas memórias felizes”.

Memórias relacionadas

PráticasCasa