“Sou a Helena, cheguei a Portugal há 35 anos e se me perguntarem agora qual foi a razão eu digo que foi uma história de amor. Eu acho que foi por causa da luz. A luz aqui é muito mais interessante, muito mais forte, muito mais iluminante do que nos Países Baixos.”
Antes de vir para Portugal a Helena trabalhava num laboratório de análises de tecidos humanos e animais, na universidade. Era um trabalho microscópico e celular.
“À parte do trabalho que eu fazia na universidade sempre tive como passatempo a tecelagem. Sempre me dediquei muito à roupa, ao tricô, aos têxteis. Na minha família somos seis irmãs e desde pequenas que a minha mãe nos deixava trabalhar com a máquina de costura. Quando tivemos as nossas primeiras Barbies fazíamos-lhes imensas roupas de tricô e renda... Eu estava sempre na área têxtil e fui aprender tecelagem.”
Nos anos 80 o governo na Holanda cortou apoios às universidades e Helena decidiu mudar de vida e vir para Portugal.
“Tenho observado que as várias coisas que estão a acontecer com os migrantes de hoje também eu passei há 35 anos. Claro que não foi igual, mas muita coisa sim.”
A Helena lembra-se da dificuldade de não falar a língua quando se chega a um país novo, não saber onde ir, não ter informação para chegar a um determinado lugar, da quantidade de papéis necessários e o tempo que demora para se obter um documento de legalização.
“Quando vim para Portugal percebi que não era fácil, nem eu queria, entrar na área das análises científicas e lembrei-me de começar aqui um atelier de tecelagem e possivelmente dar aulas. A partir dos anos 90 entrei num curso como formadora no Museu do Traje, em Lisboa. O meu ponto forte sempre foi ver os materiais, fazer a análise e o desenho técnico para depois se fazerem os tecidos.”
"Síndrome do monte" é o nome que a Helena dá à perda de capacidades sociais que acontece em consequência do isolamento de quem vive no campo, afastado de uma comunidade maior.
“Em Portugal vivia no monte, mas ao fim de 12 anos percebi que estava a perder as minhas capacidades sociais, foi aí que decidi mudar-me para a vila, aqui em Odemira. Isto nos anos 2000. Nunca me arrependi porque realmente é muito mais saudável viver numa comunidade do que em isolamento.”
Em 2021 Helena viu o espetáculo BOWING em São Teotónio.
“Pensei: Gostava de lá estar, gostava de fazer parte.”
Quando, no início de 2022, viu os cartazes BOWING a convidar participantes para as sessões semanais no Cineteatro de Odemira, voltou a ter vontade de embarcar nessa aventura.
“Todas as quartas-feiras, pensava: Eu vou! Mas não me perguntem porquê, nunca fui…”
A passear com a Jóia, a sua cadela, numa das noites de Outubro, passou em frente do Mercado de Odemira, onde os ensaios de preparação para o espectáculo BOWING BACK estavam a acontecer, e a Matilde convidou-a a entrar. Foi a casa deixar a Jóia, voltou e juntou-se ao grupo.
“A partir daí fiquei apaixonadíssima. Sobretudo por estar num grupo de pessoas muito alegres, enquanto eu sabia que as vidas destas pessoas não eram nada fáceis e quase que não se justificava tanta alegria. Fiquei muito entusiasmada por viver esta felicidade, este convívio, esta música, esta dança e a alegria do encontro ... Era uma alegria profunda, não inocente, uma alegria de sobrevivência. Uma das coisas mais importante que o BOWING nos trouxe foi a possibilidade de nos conhecermos e de conhecer, de uma forma muito mais profunda, a vida desta população migrante. Fiquei com muitos amigos. Conheci mais sobre as suas viagens até aqui, sobre as suas vidas e sobre as histórias que trazem consigo. Isto por um lado foi um enriquecimento e por outro lado fez-me também mais modesta.”
Uma forte memória que guarda desta viagem foi o momento em que um homem do Bangladesh e um homem da Índia, Yusuf e Jagjeet, a ajudavam a colocar um turbante antes do espectáculo.
“Começou numa brincadeira entre o Yusef e eu durante os ensaios, mas no dia da estreia, estavam ali os dois a discutir quem me conseguia melhor colocar o turbante!”
No espectáculo, a Helena dava também as boas-vindas ao público dentro do ‘Novo SEF’, e era a guardiã do último andar do edifício, onde falava apenas holandês e brincava com a incompreensão de quem a ouvia.
“Todos nós sabemos que em relação a esta população migrante, há por parte da população local, um receio e preconceito. Eu vejo que este projecto mexeu um bocadinho com a população de cá.”
Fotografias de: Catarina Barata