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Desdramatização

"Não sei" e "não consigo" são respostas frequentes quando lançamos um desafio artístico nas escolas. Muitos alunos estão convencidos de que a criação é reservada a artistas e profissionais. Culturalmente, na Índia e no Nepal a arte é vista como uma prática superior, a maioria das pessoas sente que o seu papel é o da apreciação e que por falta de mestria, perfeição, anos de prática, não têm um lugar na criação de uma obra. A arte está longe do quotidiano, e quando fazíamos propostas artísticas aos alunos, eles copiavam modelos de referências já conhecidas. Acreditamos que este abismo cultural se dá porque em Portugal se vive há mais tempo em democracia, sem hierarquias tão vincadas como são as castas, e as pessoas têm menos receio de errar e experimentar. A tensão leva ao bloqueio. Uma das táticas que utilizámos para combater esta dificuldade consiste em desdramatizar a criação artística, retirar a tensão negativa do acto artístico, o drama e o peso dessa experiência. Como pode o acto artístico transformar-se numa vivência do quotidiano? Tentámos abrir caminhos de acessibilidade que encurtam a relação entre a arte e a vida. Quisemos aproximar esses dois eixos e imbuir o quotidiano de práticas artísticas, às quais todos os participantes teriam acesso. Para isso, utilizámos muitas referências populares, acessíveis à maioria das pessoas, para mais tarde as transformarmos e partirmos delas para novas experiências. É também através da alegria e do riso que este processo de desdramatização acontece, como foram os ensaios com os adultos para o primeiro espectáculo, em que dos erros nas danças e dos esquecimentos saíam gargalhadas e felicidade. A nossa prática é inspirada na informalidade, e muitas vezes os participantes criavam ou dançavam sem se aperceberem de que o faziam. Começando com jogos coreográficos e desafiantes, os adolescentes acabavam por dançar dentro desses desafios, deslizando para a prática artística naturalmente. A desdramatização acontece de variadas formas. A Rani, uma rapariga indiana, não participava na dança do Curry Kingdom durante os ensaios, com receio de não compreender o seu sentido. Explicámos-lhe que se tratava de uma dança composta por movimentos de trabalho, exemplificando cada um, e aquilo que era abstracto tornou-se compreensível e prazeroso. Os figurinos utilizados em ambos os espectáculos vieram dos armários dos participantes: saris, véus, camisas orientais, turbantes, etc. As mães autorizaram que os filhos levassem as roupas mais valiosas de casa, pela relação de confiança que se estabelecera com o projecto. Essas roupas tão importantes passaram a ser objectos de partilha, espalhadas pelo chão para que fossem experimentadas e usadas. Deu-se a desdramatização daquelas roupas como se deu a desdramatização da dança de cada um.