A Casa em Todo o LadoVoltar

A Casa em Todo o Lado

Em muitos lugares da Índia as pessoas fazem da rua a sua cozinha, a sua sala, um lugar para dormir e descansar. Cuidar de um espaço, enchê-lo de histórias e relações, apropriar-se daquilo que podem ser à partida lugares hostis e transformá-los em ambientes acolhedores, modifica também a qualidade das vivências que neles acontecem. Construímos salas de estar no meio da rua, em parques de estacionamento, salas de aula em florestas, um abrigo na praia, espaços de ensaios com materiais à mão, transformámos uma residência de estudantes abandonada num espaço performativo caloroso, habitado por todos os participantes durante os ensaios. Começamos, normalmente, por limpar o espaço que vamos utilizar. Trazemos móveis: tapetes, mesas, candeeiros, cadeiras, livros, roupas. Por vezes, utilizamos ou transformamos aquilo que encontramos no próprio local: uma mesa de ping-pong é a nossa mesa de reuniões, tapetes são lugares de conversas, de aquecimento do corpo, descanso e refeições. Levamos comida e bebida para estes lugares e passamos tempo neles, o tempo para se transformarem na nossa casa comum. Leva-se o conforto para dentro dos espaços, e aquilo que parece ser um esforço e grande investimento no início dará frutos a cada momento da sua utilização. As pessoas que vêem de fora sentem-se atraídas e convidadas a entrar, e as que entram não querem ir embora. No BOWING este aspecto foi particularmente importante, pelo desconforto que muitos migrantes vivem dentro das suas próprias casas. Um espaço pode tornar-se também demasiado confortável, motivando um ambiente que, se não for controlado, gera dispersão durante as actividades. Alguém atende um telemóvel durante um ensaio ou abandona as danças a meio. Quando a casa se instala na rua, é possível que gere desconforto para quem observa e para quem é observado e possa sentir que se trata de uma invasão do espaço público, o que pode ser bom enquanto manifestação política mas pode também gerar conflitos e constrangimentos se esse equilíbrio for frágil. Cada espaço abarca milhares de lugares diferentes e transforma-se pelas pessoas que o habitam. Ao proporcionar condições confortáveis é mais fácil a abertura do outro para tudo aquilo que acontece: a partilha de histórias, a participação em sequências de dança, uma canção espontânea. Quando cuidamos dos espaços e os preenchemos de vida nasce uma casa, um lugar para estar e viver em conjunto.