“O meu nome é Rajendra Shiwakoti, sou do Nepal e vivo em Portugal desde o início de 2020.”
Rajendra é um elemento fundamental do projecto BOWING. Tradutor, mediador e músico, faz também parte da equipa desde o início de 2022. Tem um papel muito importante a traduzir e criar pontes entre diferentes culturas e ao apresentar novos participantes ao projeto, por todos os contactos que estabelece em São Teotónio e Odemira
“Quando cheguei a Portugal trabalhava na agricultura e mantive-me nesse emprego durante um ano. Um dia, enquanto estava no hospital a recuperar da Covid-19, percebi que muitas pessoas da Índia, Nepal e Bangladesh estavam a ter dificuldades em comunicar com os enfermeiros ou médicos. Decidi ajudá-los, traduzindo o que os pacientes sentiam e o que os médicos aconselhavam. Era óbvio para mim que estavam a entender-se mal, e que eu poderia ajudar facilmente nessas situações. Todos ficaram a saber que eu estava interessado neste tipo de papel. Disse-lhes que no Nepal costumava trabalhar para uma ONG a ajudar pessoas necessitadas. Expliquei o que costumava fazer no meu trabalho e disse-lhes que queria sair da agricultura e fazer algo social aqui, em Portugal. Falaram com a Câmara Municipal de Odemira e, pouco tempo depois, entraram em contacto comigo e marcaram-me uma entrevista. Agora trabalho como mediador intercultural.”
Enquanto músico, Rajendra acompanhou sessões do BOWING na percussão, oferecendo o ritmo do movimento e uma atmosfera calorosa aos espaços. A partir do segundo ano a sua relação com o projecto intensificou-se e passou a acompanhar todas as sessões com adultos.
“Ajudo pessoas de diferentes partes do mundo, principalmente de países asiáticos como o Nepal, Índia, Bangladesh, que não falam português nem inglês. Ofereço apoio na obtenção dos seus documentos legais, orientando-os nesses processos. Trabalho em estabelecimentos de serviços públicos como a Segurança Social, Centro de Saúde, Finanças e escolas. Neste momento, precisamos de mais mediadores em Odemira; somos apenas três e precisamos de pelo menos mais 10.”
O Rajendra conta-nos que muitas vezes acompanha e apoia famílias migrantes a registar os seus filhos em Odemira, bebés que já nasceram em Portugal e que têm a nacionalidade. Diz que todas as semanas acompanha muitas famílias nesse processo e que está verdadeiramente a nascer um novo povo no Alentejo.
“O que observo todos os dias é que as pessoas chegam aqui com informações erradas, enganadas sobre a realidade e as leis portuguesas. Não é culpa delas, contam-lhes mentiras, e essas informações chegam a esses países. Dizem-lhes que terão um bom emprego, um bom salário, uma casa agradável e que obterão o cartão de residência em 6 meses (precisam de pelo menos 2 anos para isso, se tiverem sorte). Acreditam que ganharão dinheiro suficiente para enviar às suas famílias e pagar os seus empréstimos. Deixam tudo para trás porque não sabem o que está realmente a acontecer aqui. Para vir para cá, as pessoas pagam cerca de 10.000 euros cada uma. A maioria delas tem de pedir um empréstimo a um banco, a um membro da família ou a um amigo. Pagam quantias enormes de dinheiro até chegarem aqui. Quando chegam, todo um sistema ilegal está em funcionamento - muitos contratos falsos, comprovativos de morada falsos, documentos falsos estão a ser vendidos. As pessoas não têm opção, por isso têm de pagar.”
Em Janeiro de 2022, Rajendra acompanhou-nos até à Fundação Calouste Gulbenkian para participar na conversa “Das estufas de cultura intensiva aos muros de uma prisão”, dando o seu testemunho enquanto migrante, mediador, participante e colaborador no projecto BOWING, oferecendo também a banda sonora do evento com o seu djambé. Falou sobre as dificuldades e desafios que estas populações enfrentam ao chegar a Portugal.
“Numa única casa tens 30 a 40 pessoas. Em frente à minha casa, são 38 a partilhar o mesmo espaço. Têm uma casa de banho e uma cozinha, sem condições. Isto precisa de ser controlado. O governo português deveria estar ciente do que está a acontecer aqui e, se estiver, finge que não está. Precisamos de mais fiscalização, regras mais rigorosas, mais casas e as informações certas precisam de chegar a estes países. Temos de parar as entidades e pessoas que trabalham juntas para espalhar a mensagem errada e beneficiar financeiramente com isso. Há demasiadas pessoas, não há recursos suficientes para lidar com as suas necessidades. Devido à falta de água há falta de trabalho, porque a agricultura não está a produzir muito. É por isso que vemos tantas pessoas desempregadas, sem casa e a enfrentar grandes problemas de saúde mental. Algumas pessoas estão a morrer agora, a cometer suicídio. Estão presas, não têm dinheiro ou trabalho e têm muitos empréstimos para pagar. E todos os dias há mais e mais pessoas a chegar... O que mais me impressionou no BOWING foi o vosso compromisso, o quanto trabalharam arduamente para trazer mudanças através da arte. Eu queria fazer parte disso, envolver-me mais, aprender e trazer essa mudança também. Agora faço parte desta família BOWING e agradeço-vos por isso.”
No espectáculo de 2021, Rajendra proferiu um forte discurso em Hindi na varanda de um edifício abandonado. Cá em baixo, na rua, as pessoas recebiam a tradução em papel e olhavam para cima com espanto. Rajendra apelava à aceitação e hospitalidade entre culturas. Apelava ao fim do medo.
“Ainda me lembro das palavras que disse no meu discurso na varanda durante o primeiro espectáculo BOWING. Foram tão importantes para mim: 'Não estamos aqui para lutar, estamos aqui para construir o nosso futuro. Não se preocupem, aprendam sobre a nossa cultura e nós aprenderemos sobre a vossa'. Foi uma lição, trocar culturas e conhecimentos. Conhecer Portugal e ensinar sobre o meu próprio país. Mudaram a minha forma de olhar para esta cultura e para os portugueses. Por essa razão, agora estou apaixonado por esta terra, este país."
Fotografias de: Vitorino Coragem