Roubamos esta frase a José Saramago e entramos com ela pela Escola Básica de São Teotónio. Na cantina, entre paredes frias e uma acústica que multiplica as vozes, está um grupo de 30 adolescentes em alvoroço. À primeira vista é desesperante. Quando nos damos o tempo de observar e ler os corpos no espaço, percebemos que as coreografias e palavras já lá estão presentes, antes sequer de começarmos. O caos é um lugar de criação. Por vezes, nas sessões e ensaios, há instantes confusos, desgovernados. Aprendemos a não ter medo desse aparente vazio. Deixamos o caos acontecer em momentos livres e espontâneos, sem líderes nem direcções, e os corpos revelam relações entre si, talentos, dinâmicas, movimentos que lemos e acolhemos e que são o início de histórias ou coreografias. Largamos o controlo e deixamos acontecer. Lembramo-nos de que, por vezes, tínhamos medo desses instantes. Não sabíamos o que fazer. Na Noite da Babilónia, no meio dos gritos, saltos, uivos e danças, lembramo-nos dos nossos olhares perdidos em busca de respostas. Aquilo que nos desespera pode por vezes ser a própria solução. No fim dessa noite, depois dos gritos, loucuras sem rumo definido, vimos como um aparente problema de organização e comunicação poderia vir a resultar numa solução artística surpreendente. Foi aí que vimos tudo mais claro. Nos ensaios do BOWING BACK havia momentos em que as pessoas ocupavam o espaço como queriam, com as danças e conversas que surgiam naquele instante. Do caos que se instalava, revelavam-se as entrelinhas dos corpos, das relações e o lugar de cada um. Nayon e Kahlill, do Bangladesh, traziam limas nos bolsos e atiravam-nas um ao outro através da sala a alta velocidade, enquanto entre eles aconteciam outras danças. Esse momento deu origem a um jogo coreográfico, no espectáculo BOWING BACK, entre Nayon, Kahlil e Faruk, logo à entrada de um edifício onde várias performances aconteciam em simultâneo. Era chamado o ‘Jogo da Espera’ e relacionava-se dramaturgicamente com a espera que os migrantes têm de suportar sempre que estão nas filas do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - agora extinto).